Um mundo de palavras

sábado, novembro 21, 2009

Um poema à moda de Alberto Caeiro

Passeio pelo campo,
Tudo à minha volta é verde.
Vejo animais a correr e a saltar,
Vejo pássaros, ovelhas, cavalos, esquilos...
Continuo a andar e a andar,
Nada muda,
Tudo é verde.

Sinto um impulso, e corro.
Corro, corro sem parar.
Uma brisa passa nos meus cabelos,
Brisa, essa, suave e fria,
E os meus cabelos dançam ao sabor dela.

Páro, olho e escuto.
Rodupio de braços abertos,
Olho para o céu azul,
Está tão perto e tão longe.
Os pássaros voam na sua direcção,
Na direcção do infinito.
De repente, o campo fica sem vida,
Todos os animais desaparecem.
Chove, chove sem parar,
Não sei porque chove, mas sabe bem.
Sinto as gotas de água a cair no meu corpo.
Fico com o corpo molhado, e caio...

Descalça, sentado na terra,
Sinto a erva molhada a percorrer os meus pés,
Sinto cócegas e arrepios.
Os animais correm até mim.
O sol já brilha e a chuva passa.

O sol já brilha lá no céu,
E nada muda, tudo é verde.

José Saramago - As intermitências da morte

José Saramago, nestas intermitências da morte apresenta uma situação caricata, com toda a sua ironia que lhe é característica.
A partir do momento em que se brinca um novo ano, a Morte resolve parar de matar, pois está cansada de ser detestada por todos. Esta atitude radical da Morte causa agitação, euforia e alegria a todos os habitantes desse país, menos aos realistas e pessimistas que mantinham uma opinião diferente. Apesar de serem imortais, as pessoas continuavam a envelhecer e mesmo às ditas portas da morte, ficavam ali, imóveis, à espera que a sua hora chegasse. Tudo isto trouxe um enorme caos para o país e esta ausência da destestada Morte torna-se um grande problema. As agências funerárias deixam de ter trabalhado, os hospitais e asilos ficam superlotados e o governo não consegue atenuar este grave problema, que no início parecia uma excelente notícia.
Os familiares, fartos de terem os idosos doentes em casa sem fim à vista, começam a levá-los para o outro lado da fronteira. Fizeram desta situação um negócio, pois surgiu a máfia que fazia o "favor" de os levar a passar a linha imaginária, a fronteira.
Devido a este caos originado pela sua ausência, a Morte resolve voltar, desta vez, com uma idéia original. Essa idéia tinha como objevtivo enviar uma carta, cor violeta, pelo correio uma semana antes da morte do destinatário, para que este se pudesse despedir dos ente queridos e resolver tudo o que tenha em atraso.
Estranhamente, uma dessas cartas volta para trás uma, dua, três vezes. Assim, a Morte resolve investigar e descobre que o seu destinatário é um violoncelista, solteiro, de quarenta e um anos, cujo seu único companheiro é um cão e que, devia ter ficado em sono profundo aos quarenta anos. A morte, para desvendar tamanho mistério, resolve transformar-se em mulher e entra na vida do violencelista, com o fim de entregar a dita carta.
Como é característico de Saramago, este romance é lento e gradual. Então, a Morte, após ter entrado na vida do tal músico, sente coisas que até então não tinha sentido nem vivido, acabando por se apaixonar pelo homem.
"As intermitências da morte" é uma obra cómica e crítica, ao jeito de Saramago, que ataca toda a sociedade. É um livro que faz com que vejamos a morte de maneira, totalmente, diferente.

quinta-feira, junho 04, 2009

A Débil

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

(...)
















"Mulher com sombrinha" (1875), também conhecida como "Madame Monet e o filho". Famosa pintura de Claude Monet, pintor impressionista.


Cesário Verde fazia uma grande distinção entre o campo e a cidade. Sempre mostrou um grande apreço pelo campo. Para ele o campo era sinónimo de paz, saúde, fertilidade, amor, vitalidade, leberdade... Enquando que a cidade, para Cesário era sinónimo de poluição, monotonia e melancolia, vícios, fantasias, miséria e desprezo dos mais ricos para com os miseráveis.
Neste poema, Cesário Verde retrata uma mulher do campo na cidade. Daí a caracterizar como assustada e frágil, pois encontra-se num mundo que não é o dela, num mundo desconhecido a seus olhos. Ao dizer que a quer estimar, recatada, quer transmitir que não é por ir para a cidade que tem de mudar a sua maneira de ser, a sua maneira de ver o mundo. Que tem de ser tal e qual como era enquanto se encontrava no campo. Tem de conservar os seus costumes e as suas convicções.

Cesário faz a dita "arte pela arte", pois para ele nao importa o seu sentimento, preocupa-se com o que os seus versos transmitem e com o seu valor estético.

quarta-feira, junho 03, 2009

Cesário Verde - poeta ignorado e incompreendido pelo meio literário português


“Além de ser uma réplica do realismo irónico queirosiano (…) o realismo irónico de Cesário Verde será o seu esforço de autenticidade anti-retoricista, com versos magistrais, salubres e sinceros”

Com uma linguagem simples, nos seus sinceros e limpos versos onde trespassa um verdadeiro realismo, o Poeta faz uma profunda reflexão sobre a realidade da sua época. Cesário Verde utiliza um vocabulário corrente para despertar o interesse do leitor. Faz também com que o leitor tenha atenção a todos os pormenores, mas continuando a abrir-lhe novos horizontes. A sua poesia é como uma tela pintada, mas com palavras!
Cesário Verde, na sua poesia demonstra um grande apreço para com o campo em vez de ser para com a cidade. Para ele a cidade era uma imitação do estrangeiro, com pessoas arrogantes e fúteis, enquanto que o campo era caracterizado como um espaço de liberdade, alegria, paz, saúde, etc.
Cesário Verde nas suas composições poéticas utiliza o parnasianismo, que foi iniciado no século XIX, onde faz uma visão objectiva da realidade, usa uma linguagem precisa e faz a descrição dos objectos do quotidiano vulgar. «Arte pela arte», pois o objecto é mais importante que o criador.
Os seus poemas, com a junção dos estilos literários, são representações pictóricas da realidade.
Era impressionista, pois, para ele tinha de se captar impressões, descobrir o que esconde a realidade. Estas impressões eram obtidas através do movimento, do som e da luz. Sendo o impressionismo difuso, pois é possível fazer várias leituras daquele objecto.
Uma das semelhanças entre Cesário Verde e Eça de Queiroz é a utilização perfeita dos advérbios e adjectivos. Enquanto Eça de Queiroz é um escritor lírico romântico, que exagera no sentimento, na emoção o que é completamente diferente da realidade, Cesário Verde guia-se pelo realismo, abstraindo-se de emoções e sentimentos, representando nos seus poemas a verdadeira realidade.
Eça de Queiroz na sua escrita queria mudar o mundo, mostrar o lado bom e Cesário Verde não queria enganar, queria mostrar o verdadeiro mundo onde vivemos.
Cesário foi o impulsionador do modernismo em Portugal, influenciando os poetas que se seguiram.

sábado, janeiro 24, 2009

Eurico, o Presbítero

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo nasceu em Lisboa, a 28 de Março de 1810 e faleceu em Santarém a 13 de Setembro de 1877. A sua infância foi marcada pelos dramáticos acontecimentos da sua época: as invasões francesas, o domínio inglês e o influxo das ideias liberais, que causaram a Revolução de 1820. Foi um escritor da era do romantismo, um poeta português, um jornalista e um historiador. Herculano, juntamente com Almeida Garrett, é visto como o introdutor do romantismo em Portugal, desenvolvendo os temas do desacordo do homem com a sociedade.
O seu romance mais conhecido é intitulado como Eurico, o Presbítero, foi escrito em 1844. Esta sua obra fala do fim do Império Godo e também da conquista dos muçulmanos que avançaram pela Península Ibérica.
Eurico, o Presbítero, conta a história de um grande amor entre Hermengarda e Eurico. História passada no início do século VIII na Espanha visigótica.
Depois de uma grandiosa luta, em que Eurico saiu vencedor, este dirigisse ao Duque de Cantábria, Fávila, para pedir a mão da sua filha, Hermengarda, em casamento. Este seu pedido foi recusado, pois Eurico era um homem de origem humilde. Eurico ficou, assim, a pensar que a sua amada também o rejeitava por ser de famílias pobres, entregando-se ao sacerdócio.
A vida de Eurico, passa a ser monótona, resumindo-se às suas funções religiosas e à composição de poemas e hinos religiosos. Estas tarefas faziam com o que este pobre homem não se recordasse de Hermengarda. Tal rotina é quebrada quando Eurico sabe que os árabes invadem a Península Ibérica, tomando a responsabilidade d fazer frente ao avanço dos árabes, transformando-se assim, no Cavaleiro Negro. Quando a batalha está a ser dominada pelos Godos, os filhos do imperador traem o seu povo com intenção de assumir o trono. Este acontecimento, faz com os árabes fiquem com o domínio da batalha nas suas mãos. O Mosteiro da Virgem Dolosa é alvo dos ataques dos árabes. Estes raptam Hermengarda. O Cavaleiro Negro, juntamente com alguns guerreiros, conseguem salvá-la das mãos de um árabe que a tentava violar.
Hermengarda, perante Eurico, declara o seu amor por ele, mas este sabe que esse amor nunca se poderá concretizar, devido às suas convicções religiosas. Eurico revela-lhe que O Presbítero e o Cavaleiro Negro são a mesma pessoa, perdendo Hermengarda a razão. Eurico seguro das suas obrigações religiosas, parte para uma luta mortífera contra os árabes.

Em suma: a obra Eurico, o Presbítero, tem como ideologias a religiosidade e a pátria, as leis sociais, a exaltação do amor profano sobre o divino e sobre o maniqueísmo.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

"Em Bernardim a melancolia mergulha no mais cruciante desespero, raiando pelo desvario de um fatalismo herético, muito diferente da anarquia heróica do lirismo camoneano" - Jorge de Sena


Menina e Moça, Bernardim Ribeiro


Pensa-se que Bernardim Ribeiro terá nascido em 1482 e que a sua vida terá terminado em 1552. Bernardim foi um escritor renascentista do nosso país. Frequentou a corte de Lisboa e colaborou no Cancioneiro Geral com outros tantos poetas lusitanos conhecidos. A sua linguagem foi caracterizada por ser arcaica, antiquíssima, e não erudita, sábia.
Esteve em Itália, onde adquiriu algumas inovações na literatura. Bernardim Ribeiro foi o homem que introduziu em Portugal o bucolismo. Este facto fez dele uma pessoa muito importante.
Os textos de Bernardim demonstram um pensamento pessimista, em volta do amor e da saudade.
Menina e moça, a sua obra mais conhecida, foi editada por três vezes no século XVI. Este seu texto representava vários assuntos da ficção, como a nível da história literária como a nível do conteúdo. Bernardim, a nível da história literária, escrevia sobre os elementos da novela de cavalaria e da sentimental e do romance pastoril. Enquanto que a nível do conteúdo, falava de um lugar de encontro, feminino e lamentoso, da Menina. O autor inicia o seu livro com um monólogo de evocação de deslocação e de mudança de vida. A Menina dirigia-se a uma Senhora, com a qual discutia histórias de amores infelizes. Cujas histórias desses desamores são a acção principal da obra.
A sua obra fala da nostalgia amorosa, desencontros amorosos, e do fatalismo do sofrimento. As constantes semânticas são a distância, a natureza, a mudança e o amor. Bernardim Ribeiro foi o primeiro escritor a deixar as convenções da ficção e assumir o estatuto de narrativa feminina da saudade e da solidão. Também neste livro, Bernardim enumera a análise penetrante e cautelosa do sentimento amoroso, no seu aspecto de entrega dedicada e dolorida.

“Menina e moça me levaram de casa de meu pai para longes terras; qual fosse então a causa daquela minha levada, era pequena, não na soube. Agora nao lhe ponha outra, senão que já então parece havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui eu naquela terra; mas coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que longo tempo buscou e para longo tempo buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste, ou que pela ventura me fez ser leda. Mas depois que eu vi tantas cousas trocadas per outros e o prazer feito mágoa maior, a tanta paixão vim, que mais me pesava do bem que tive que do mal que tinha.” - Menina e Moça, inicio

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Memória ao Conservatório Real

Frei Luís de Sousa é uma história que contém toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga, clássica, uma vez que não há assassinos, nem vilões, nem há sangue, onde predomina a esperança, pois todas as personagens são genuinamente cristãs. A morte das suas personagens é atenuada pois não existe violência e as pessoas morrem para um outro mundo. A sua história é um drama, pela sua forma e também pelas fatalidades dos acontecimentos. Garrett dizia que a sua obra não era uma tragédia, pois não tinha a estrutura ideal para ser classificada como tal, pois uma obra trágica é elaborada em verso, daí lhe ter chamado drama. Neste drama, Garrett não escreveu em verso, pois queria dar a prosa ao melhor prosador português, ao Frei Luís.
Almeida Garrett afirmava que a única peça capaz de entusiasmar o Homem era o drama romântico. Não queria recorrer ao drama violento e sem escrúpulos, mas sim ao drama natural, com suavidade, delicadeza e harmonia. Tenta realçar a simplicidade da acção dramática e a finalidade metodológica do teatro. Prefere o teatro à portuguesa, nacional.